16 de maio de 2018

O Silêncio da Noite - Capítulo IV - Insônia

– Vai começar tudo de novo – Shunrei murmurou tristemente, enquanto assistia Shiryu enfrentar um cavaleiro de ouro pela primeira vez. – E bem mais cedo do que eu esperava...

Embora soubessem que a batalha contra o Santuário se aproximava, os dois estavam vivendo dias tranquilos como Shunrei sempre sonhou. 
Enquanto ela cuidava de suas tarefas domésticas, Shiryu dividia-se entre o recém descoberto prazer de trabalhar na lavoura e sua preparação para voltar a lutar com os companheiros. Nos dias em que ele estava trabalhando, ela costumava levar o almoço para que comessem juntos sob a sombra das árvores, conversando animadamente, fazendo pequenos planos para o futuro próximo, mesmo sabendo que essa tranquilidade podia ser interrompida a qualquer momento.

O doce começo do namoro, que teve a aprovação do Mestre Ancião, estava ajudando Shunrei a lidar com o trauma sofrido há pouco mais de um mês. Tudo ia bem até dias atrás, quando o Mestre Ancião desapareceu. Os dois sabiam que isso significava a iminência da guerra e desde então Shunrei não vinha se sentindo muito bem. Havia sempre um mal-estar indefinido e hoje ela tinha acordado bastante nauseada e com dor de cabeça. Mesmo assim procurou manter sua rotina, especialmente porque o Mestre tinha acabado de retornar da mesma forma misteriosa que sumiu. 
Além disso, estavam recebendo a visita de Kiki, que trazia uma encomenda de Seiya. O cavaleiro tinha arriscado a vida para conseguir um pouco de certa água milagrosa capaz de curar os olhos de Shiryu. Não obtiveram o efeito esperado, porém o Mestre explicou que a água ainda poderia funcionar se fosse ativada pelo cosmo. Ele explicou também o motivo de seu afastamento: precisava se concentrar e elevar seu cosmo, pois era um dos doze cavaleiros de ouro e provavelmente teria de se envolver na batalha.

Shunrei ainda estava tentando absorver as novidades quando o cavaleiro de ouro de Câncer, que se apresentou com o estranho nome de Máscara da Morte, apareceu dizendo que tinha ordens do Santuário para matar o Mestre Ancião.
 Obviamente Shiryu não ia deixar que tocassem no homem a quem considerava um pai e enfrentou o cavaleiro. Mas estava claramente em desvantagem.

– Isso não está nada bom... – Shunrei murmurou, começando a sentir a náusea piorar. – Esse homem estranho vai acabar machucando Shiryu seriamente.

– Ah, o Shiryu vai saber o que fazer – Kiki disse na tentativa de tranquilizá-la. – Você vai ver.

Mas o que viram foi Máscara da Morte repelir facilmente um ataque de Shiryu e jogá-lo no fundo da cachoeira sem fazer nenhum esforço. 
Ao ver a cena, Shunrei quis gritar mas a voz não saiu. Logo as pernas começaram a fraquejar e em seguida tudo virou escuridão. Felizmente, Kiki percebeu o desmaio a tempo de impedir que ela caísse e se machucasse.

Quando Shunrei recuperou a consciência, o cavaleiro de Câncer já tinha ido embora e Shiryu estava de volta, aparentemente sem ferimentos e vestindo sua armadura. A luta tinha sido interrompida pelo senhor Mu, amigo do Mestre que ela já tinha visto brevemente em outras visitas e que, curiosamente, usava uma armadura dourada como a de Máscara da Morte.

– Mestre Mu! – chamou Kiki, preocupado com Shunrei.

– Não, não conte a ninguém que eu desmaiei – ela pediu, sussurrando. – Por favor…

– Tá, mas ele pode te ajudar...

– Eu já estou bem, Kiki. Não conte nada. Está tudo bem. Só me ajude a ir até lá. Ainda estou um pouco tonta.

O garoto a amparou e quando se aproximaram dos três, Mu dirigiu a ela um olhar estranho e intrigante, como se perscrutasse o fundo de sua alma. Shunrei engoliu em seco. Queria saber o que ele estava vendo, por que estava olhando assim para ela, mas no momento tinha outras preocupações.

– Você está bem? – ela perguntou a Shiryu. – Fiquei assustada com isso tudo, aquele cavaleiro sinistro… Ele jogou você lá embaixo... achei que...

– Está tudo bem – ele interrompeu e a abraçou. – Ele não ia me matar tão facilmente.

– Vocês vão enfrentar vários daqueles…

– Nove – ele respondeu. – Sagitário está morto e os outros dois são o Mestre e o senhor Mu. Talvez menos, se tivermos sorte e alguns se juntarem a nós.

Shunrei não sabia o que falar. Se pudesse, gritaria para ele não ir, para que continuassem vivendo tranquilamente, mas sabia exatamente o que ele diria: que era a missão dele, o destino, e ela precisava se conformar.

Shiryu também não sabia o que dizer a ela. Queria dizer que ela não se preocupasse, mas era óbvio que havia muito com o que se preocupar. O que iam enfrentar era grande demais. Quatro cavaleiros de bronze tentando invadir o Santuário? Talvez cinco, se Ikki resolvesse se juntar a eles. Nunca se sabia o que esperar do Fênix. Era uma loucura suicida... Máscara da Morte já tinha sido uma amostra de que dificilmente todos voltariam vivos.

– Shunrei, por que não vai para casa preparar o jantar? – perguntou o Mestre Ancião, quebrando o silêncio para alívio dos dois. – Mu e Kiki vão ficar conosco, não vão?

O cavaleiro de Áries assentiu com um sorriso. Queria mesmo ficar e conversar com seu velho amigo a sós para entender o que estava acontecendo ali nos Cinco Picos Antigos. Não era da sua conta, mas precisava contar a ele, tinha certeza que ele ainda não sabia... Talvez nem ela...

– Claro, Mestre – Shunrei respondeu, aliviada e grata por ele sempre saber o que fazer ou dizer nessas horas de silêncio incômodo. Seria bom ir para casa antes deles, tomar um chá, ter um tempo para tentar se recompor e organizar os pensamentos. – Vou agora mesmo!

Ela seguiu para casa acompanhada por Kiki e mais tarde, quando os homens chegaram, já se sentia melhor. Serviu-lhes uma sopa de legumes com macarrão, feita com a ajuda do garoto. 
Mu foi simpático, agradeceu e elogiou a comida, mas tornou a olhá-la daquele modo estranho. Depois da refeição mandou Kiki de volta a Jamiel e pediu para conversar a sós com o Mestre, então os dois foram para o lado de fora da casa, enquanto Shunrei ocupou-se da louça e Shiryu foi tomar um banho.

Mais tarde, quando Mu já tinha ido embora, Shiryu foi até o quarto de Shunrei. Ela já estava sentada na cama, preparando-se para dormir, e ele se aproximou, sentou na beirinha da cama e a abraçou.

– Vou partir amanhã – ele anunciou.

– Achei que a gente teria mais alguns dias...

– Essa é a minha missão, Shunrei. Eu não posso deixar de cumpri-la. Mas eu volto. Prometo.

Era uma promessa que ele não sabia se cumpriria. Não tinha tanta certeza assim de que voltaria... Pelo menos não com vida. Mas queria deixá-la tranquila então prometeu.

– Tudo vai ser como antes. Você vai voltar e eu vou estar aqui esperando porque eu te amo muito.

– Eu sei... Também te amo muito. Você é a melhor parte da minha vida.

Shiryu tocou o rosto dela gentilmente, contornando-o, e lamentando não poder vê-lo. Felizmente podia levar consigo a lembrança do sabor dos lábios dela, então a beijou intensamente, como se fosse a última vez. Porém estavam sentados na cama dela, pela textura suave da roupa ele sabia que ela já estava de pijamas, e foi impossível não pensar em mais que apenas alguns beijos, por isso ele parou antes que seu corpo reagisse a esse clima.

– Eu não teria conseguido sair daquela depressão sem a sua ajuda – disse, buscando desviar o pensamento do sexo. Ainda não era hora... Resolveria depois, sozinho...

Shunrei sorriu e acariciou a face dele. Sabia exatamente o porquê de ele ter interrompido o beijo pois estava sentindo e pensando as mesmas coisas. Queria saber como seria fazer amor com ele. As mãos dele em seu corpo ao invés das de Ohko... Ele preenchendo-a delicadamente e não aquela invasão violenta... O prazer do sexo no lugar da dor e da humilhação... Queria tanto estar pronta, queria se sentir pronta para ter essa intimidade com Shiryu agora, antes que ele partisse, mas ainda se sentia tão suja, tão envergonhada... Entretanto, ainda precisava de tempo para as feridas cicatrizarem...

Shiryu ficou mais um pouco no quarto, fez mais alguns carinhos nela, depois saiu dizendo que ia arrumar as coisas para a viagem. Shunrei tentou dormir, mas havia tanta coisa para pensar... A partida de Shiryu para enfrentar os cavaleiros de ouro, a tal água da vida que podia restaurar a visão dele, o olhar estranho de Mu. Ao invés de ficar na cama remoendo os pensamentos, resolveu preparar um lanche para ele levar na viagem. Estava separando os ingredientes quando o Mestre apareceu na cozinha.

– Eu fiz barulho, Mestre? – ela indagou. – Me desculpe. Estava tentando ser cuidadosa.

– Não, minha querida. Eu estava acordado e vi que você também estava. Temos que conversar, Shunrei. Mu é um amigo muito especial e dotado de grandes poderes. Antes de ir embora, ele me disse que viu algo em você...

– Ele me olhou de um jeito muito estranho. Até agora não entendi...

O Mestre resolveu que era melhor ser direto e disparou:

– Ele acha que você está grávida. Ou melhor, ele viu que você está.

Foi como se ela tivesse levado um soco. Há dias não se sentia bem e a menstruação estava atrasada, mas imaginou que fosse por conta do estresse dos últimos tempos. Nunca passou pela sua cabeça que estivesse grávida... Tinha quatorze anos recém completados e esperava um filho concebido numa violência? Voltou a ficar tonta e precisou sentar para não desmaiar outra vez.

– Mas como o senhor Mu sabe? – ela indagou, lutando contra a tontura.

– Ele simplesmente vê. Ele te olhou de forma estranha porque ficou muito surpreso. Sinto tanto que tenha de passar por isso, Shunrei. Você é só uma menina…

– Por favor, não conte nada a Shiryu. Não agora... Quando a batalha terminar eu mesma conto.

– Está bem, minha querida. Como você quiser. Agora deixe isso aí e vá descansar. Você teve um dia difícil.
Ela levantou, respirou fundo e disse:

– Mestre, se eu já não estava conseguindo dormir antes, como vou conseguir agora? É melhor eu me ocupar.

O Mestre assentiu e se recolheu, enquanto ela continuou preparando a comida, mas não conseguiu ocupar a mente como pretendia. Os mesmos pensamentos iam e vinham o tempo todo. Um filho... um filho daquele maldito crescendo em seu ventre... Como ia ser isso? Como ia cuidar dessa criança? Como ia olhar para ela sem pensar em como tinha sido concebida? Como Shiryu receberia essa notícia?

Quando amanheceu, ela ainda estava na cozinha, sentada à mesa, mergulhada nos mesmos pensamentos, sem conseguir encontrar as respostas que procurava. Shiryu apareceu na cozinha, já pronto para partir e carregando uma pequena mala de mão e a urna com a armadura nas costas. Ela não falou nada, apenas correu até ele, abraçou-o e chorou.

– Não fique assim – ele disse, fazendo um carinho no cabelo dela. – Eu vou voltar. Você não estava assim ontem...

– Shiryu, aconteça o que acontecer, não esqueça que eu te amo. Eu sempre te amei. Desde o primeiro dia em que pus os olhos em você.

– Não precisa ficar assim, meu amor. O que está havendo? É só pela batalha mesmo ou é aquele assunto?

– É tudo isso – ela respondeu. – Minha cabeça está uma bagunça. Eu estou com muito medo de tudo.

– Não tenha medo. Apenas reze por mim. Reze por nós. Você tem muita fé, não tem? Então reze. Vai me ajudar. Tenho certeza que vai.

– Eu vou rezar, meu amor. Não sei se vai adiantar, mas vou rezar. – Ela pegou o potinho com o lanche que preparou e entregou a ele. – Fiz pra você levar na viagem.

Shiryu agradeceu, deu um último beijo nela, salgado pelas lágrimas, e partiu. 
Shunrei ficou na porta de casa observando-o se afastar, com a vista embaçada pelo choro. Ia rezar por ele, para que voltasse com vida, tinha fé que ele voltaria, embora soubesse que quando voltasse nada mais seria como antes.
Continua...
Demorei mais do que devia nesse cap... Estava “quase pronto”, mas reli e não gostei. Reescrevi tudo, já ia postar, mas gosto de deixar “descansar”, ou seja, não posto imediatamente, deixo ali um pouco, pra pensar se é aquilo mesmo. E não era. Reescrevi de novo e de novo... Agora acho que ficou como eu queria. E o que eu queria era evitar descrever demais o que já foi mostrado no anime e focar na visão da Shunrei sobre os fatos. Ah, quando eu escrevi a primeira versão do cap, não lembrava do desmaio dela durante a luta, aí fui rever o episódio e, CARA, PERFEITO! Serviu muito bem para a fic!
Sobre o Mu “sentir o bebê”, gosto da ideia de ele ter esse tipo de poder. Já tinha usado isso em “O Casamento” e repeti a dose aqui.
E é isso, Shiryu lutando no Santuário e Shunrei enfrentando sua própria batalha em Rozan... Agora vem a sequência das Doze Casas, Câncer, Capricórnio, o Último Dragão e, vocês sabem, a “morte” dele. Aquela cena super triste...
Obrigada a todos que estão acompanhando!
Beijo!
Chii

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