23 de janeiro de 2021

Quase Sem Querer - Capítulo IX - Parabéns


– Prontinho – Shunrei anunciou enquanto admirava sua obra concluída: o bolo esculpido em formato de gato para o aniversário de Natássia.

O animal era a nova obsessão da menina desde que ela finalmente levou para casa os filhotes prometidos pela chinesa. Hyoga bem que tentou fazer a filha desistir, não queria que ela ficasse nem com um, mas quando Natássia explicou que queria dois para chamá-los de Camus e Isaak o russo foi vencido. E acabou sendo obrigado a levar um terceiro, que Natássia chamou de Seu Máscara.

– Ficou lindo, Shunrei.

– Obrigada, Hyoga. Fiz como ela pediu. Glacê branquinho.

– Ela vai amar. Eu agradeço por você e Shiryu terem deixado fazer a festinha no jardim. A casa de vocês é bem mais espaçosa que o nosso apê.

– Não precisa agradecer – Shiryu disse a ele enquanto colava no muro letras de papel laminado formando um “Feliz Aniversário, Natássia”. Ao redor, já tinha colocado os balões cor-de-rosa. – Vá se arrumar e deixe que a gente termina a decoração.

– Temos dezessete festas de experiência – Shunrei completou rindo.

– Por falar nisso, o Shoryu não vai participar?

– Vai, só foi buscar a namorada.

– Namorada, Shiryu???? – espantou-se Hyoga. – Até ontem ele era um menino.

– Pois é, meu garotinho cresceu e está namorando. Estamos velhos, companheiro...

– Estamos… – Hyoga foi obrigado a concordar. Um pensamento incômodo surgiu em sua mente: em alguns anos, seria a vez de Natássia aparecer com um moleque e apresentá-lo como namorado. De repente, ele já estava pensando que chegaria a hora do sexo e balançou a cabeça com força para afastar o pesadelo. – Cuidado com o netinho.

– Nem fale nisso! – Shunrei exclamou rindo.

– Eu já conversei com ele, já disse pra tomar cuidado e ter responsabilidade pois nós não vamos criar netos…

– Ele deve ter ouvido um sermão.

– Ouviu mesmo. Agora vai porque daqui a pouco o pessoal começa a chegar e nem a aniversariante nem os pais estarão aqui.

Hyoga concordou e correu para se arrumar ainda pensando no que o futuro traria para Natássia. E torcendo para demorar bastante até ela começar a pensar em relacionamentos.

Pouco depois que ele saiu, o Rolls-Royce de Saori parou bem em frente à casa de Shiryu e o próprio foi recebê-los. Alegrou-se por vê-la sair do carro de mãos dadas com Seiya. Depois de tanto tempo negando, eles finalmente assumiram seus sentimentos. Sua costumeira discrição o impedia de comentar, por isso ele apenas os convidou a entrar e desculpou-se por Hyoga, Shun e Natássia ainda estarem se arrumando.

– A June veio dirigindo mas disse que não vai entrar – Seiya entregou. – Eu falei que era pra vir comemorar conosco mas ela está irredutível.

–Pode deixar que eu vou falar com ela.

Enquanto Shiryu foi convencer a amazona a participar da festinha, Shunrei veio cumprimentar os convidados. Saori deu-lhe um abraço apertado.

– Shunrei… há quanto tempo não nos vemos, não é?

– É verdade, senhorita Kido. É um prazer recebê-la aqui em casa.

– Só Saori, por favor. O jardim de vocês é realmente lindo. Ouço falar muito dele, não é, Seiya?

– Acho que eu falei um pouquinho demais… – embaraçou-se o cavaleiro que, desde o seu retorno, vinha frequentando a casa do amigo e ouvindo os sábios conselhos dele. Por incentivo dele que resolveu confessar a Saori seus sentimentos e agora finalmente estavam juntos.

– É bom ver que vocês conseguiram ter uma vida normal apesar de tudo – Saori comentou.

– Com algumas idas ao hospital – riu Shunrei –, mas tudo bem. Já estou acostumada.

– Isso faz parte de ser o que somos – Seiya completou.

– Ainda bem que a gente não paga a conta – acrescentou Shiryu, que voltava para dentro com June, arrancando risadas dos presentes.

Eles se acomodaram em uma mesa e Shunrei serviu-lhes bebidas e quitutes. Pouco depois, Shun e Hyoga chegaram com Natássia.

– Desculpem a demora Shun lhes disse. É que essa mocinha estava impossível, dando trabalho para se arrumar. Não teve jeito de fazê-la vestir a roupa que escolhi.

– Natássia que escolheu! – ela disse exibindo aos convidados o traje rosa da cabeça aos pés, incluindo meia-calça e tiara de orelhinhas de gato felpudas. Shun queria que ela vestisse um elegante vestido azul-marinho com delicados bordados brancos, mas ela bateu o pé e ele não teve alternativa a não ser ceder.

– Então vocês dois… – Shun comentou sobre Seiya e Saori.

– Pois é… – admitiu o cavaleiro timidamente como se ainda fosse aquele garoto de treze anos.

Igualmente tímida, Saori apenas sorriu.

– Fico feliz por vocês.

– E nós por você e Hyoga – Seiya completou e Shun sorriu cúmplice. Os dois conheciam bem o tormento de negar os próprios sentimentos, provavelmente por tempo demais, e agora ambos também conheciam a felicidade de ter coragem de viver o que perderam.

Sereno, Shiryu apenas os observava em silêncio, grato por, felizmente, não ter passado pelo mesmo dilema que eles.

Na ponta da mesa, ligeiramente afastada, June também pensava na própria vida, nos anos de juventude que perdeu enquanto ainda alimentava esperanças de ter algo com Shun.

– É aqui que é a festa? – uma voz grave surpreendeu a todos.

– Tio Ikki!! – Natássia berrou e correu para ele.

– Oi, sua pentelhinha. Feliz Aniversário.

Ela o abraçou, agradeceu e indicou a caixa onde o tio devia deixar o presente amarfanhado que trazia consigo.

– E aí, pessoal? – ele cumprimentou depois de jogar o embrulho na caixa.

– Olha isso, ele veio! – Seiya debochou. – Que milagre.

– Você também, animal. Tava mais sumido que eu.

Seiya pulou nele igual a Natássia, deu um abraço apertado e um beijo na bochecha.

– Eu tava com saudade, seu marrento.

– Para, idiota! O tempo passa e você fica mais retardado!

– Eu também te amo!

Enquanto Ikki tentava se desvencilhar do abraço de Seiya, Shoryu chegou com a namorada deixando os pais boquiabertos.

– Yoshino? – Shiryu indagou ao finalmente ver quem era sua norinha.

– Oi, pessoal! – ela cumprimentou acenando meio sem jeito. Já conhecia todo mundo ali, mas ser apresentada como namorada de Shoryu era uma coisa nova e embaraçosa.

Shiryu respirou fundo pensando que teria de conversar ainda mais sério com o filho porque Yoshino tinha um pai grande e uma mãe muito, muito brava...

– Olá, Yoshino – disfarçando a surpresa, Shunrei cumprimentou a garota com um abraço. – Seja bem-vinda.

– Eu ia contar antes mas ela pediu pra manter segredo por um tempo… – Shoryu explicou.

– É que eu queria contar pra meus pais primeiro, mas também queria vir na festa da Nat, então é isso. Estamos namorando.

– Fico feliz – Shunrei disse sinceramente. Os dois se conheceram em uma reuniãozinha que deram após a batalha, mas ela não imaginava que tinham se apaixonado.

– Que bom que não foi uma surpresa desagradável.

– Imagina. Você é uma menina incrível, Yoshino. Estamos felizes.

– Yoshi!!! – Natássia gritou e correu até ela. – Você veio!

– Claro! Achou que eu ia perder seu aniversário?

– E tá segurando a mão do Sho…

Ele agachou-se para explicar:

É que eu e ela estamos namorando.

Natássia pensou por alguns segundos, berrou um “ah, tá” e praticamente arrastou Yoshino para ver o bolo e a decoração da festa.

Logo em seguida, Mama também chegou para completar o grupo, que conversou, comeu e bebeu animadamente até Natássia ficar impaciente para cortar o bolo.

Todos se reuniram ao redor da mesa do bolo e antes de começarem a cantar os parabéns, Hyoga fez um pequeno e emocionado discurso.

– Se hoje estamos aqui comemorando esse ano com Natássia é porque um homem conseguiu salvar a vida dela em um momento onde eu cheguei a pensar que estava tudo perdido… O último homem na face da Terra que eu pensei que nos ajudaria. O Máscara da Morte conseguiu manter nossa Natássia nesse mundo e, onde quer que ele esteja, seremos sempre gratos.

– Que ele e os outros estejam em paz – Shun completou. – É uma pena que não possam estar conosco nesse dia.

Depois de um breve silêncio em respeito aos companheiros, Hyoga acendeu a velinha de número um e Shoryu se posicionou com a câmera para filmar tudo enquanto Shunrei fotografava com outra.

Natássia não continha a excitação e pulava em cima de um banquinho enquanto Hyoga se virava para garantir que ela não caísse. Na hora de apagar a velinha, os dois pais ajudaram-na e terminaram um beijo duplo, um em cada bochecha, momento que Shunrei capturou perfeitamente com sua câmera.

– Esse bolo parece um gato morto – Ikki debochou para Shun depois dos parabéns. – E vela de um ano? Tá doido? A menina deve ter uns seis.

– É que fez um ano hoje que ela entrou nas nossas vidas. Não sabemos quando ela nasceu, nem a idade real dela, então colocamos esse dia na certidão de nascimento que a Fundação arrumou daquele jeito…

– Sei. Essa Fundação é uma fábrica de documento falso.

– Não posso reclamar. Ah, e não fala isso do bolo perto do Shiryu porque foi a Shunrei que fez.

Ikki grunhiu algo e foi buscar mais uma cerveja.

Natássia divertiu-se comendo bolo e abrindo os presentes que ganhou dos tios. Enquanto isso, os adultos saboreavam pratos salgados e drinques preparados por Hyoga e o casalzinho adolescente foi para um cantinho mais reservado do jardim, o banco de madeira embaixo da cerejeira, feito pelo próprio Shiryu.

A festinha estendeu-se até tarde, mesmo assim Natássia não parava e Shun e Hyoga enfrentaram uma batalha para levá-la para casa. Queriam que ela estivesse descansada pois o dia seguinte era importante para a família: o primeiro dia de aula da menina.

Finalmente conseguiram levá-la para casa, mas ela não planejava se aquietar. Passou boa parte da madrugada empolgada com os presentes e falando da festa, até finalmente ser vencida pelo cansaço e adormecer no colo de Hyoga.

Depois de colocá-la na cama, os dois puderam se recolher também.

– Um ano com ela passou rápido, né? – Shun indagou.

– É... Parece que ela sempre foi minha filha.

– Minha também. Eu tinha uma vida boa antes, mas solitária, você sabe. Agora eu não poderia viver sem vocês.

– Nem nós sem você, doutor. Eu te amo mais que nunca por você ter se tornado quem se tornou.

– E eu te amo por quem você é, seu russo teimoso. Mas vamos dormir porque amanhã temos que acordar cedo para levar nossa princesa à escola.

– Dormir? – Hyoga indagou de modo sensual e deslizou uma das mãos pelo peito alvo do marido. – Eu tinha outra coisa em mente...

– Ah, é? Não está com sono?

– Eu sou dono de bar, tô acostumado a virar noite. Tá cansadinho, é?

– Eu sou médico, viro noites de plantão, meu querido. Sou uma máquina.

– Hum… Ele é uma máquina… – Hyoga riu. – Então me mostra.

Shun não fez caso e se entregou aos carinhos do homem que amava.

Na manhã seguinte, os dois estavam cansados e sonolentos, mas tão felizes que não importava. Enfrentaram com sorrisos a relutância de Natássia para acordar, arrumaram-na e foram levá-la à escola, que ficava bem perto de casa, bastando atravessar um parque.

Enquanto Shun fotografava cada passo da filha, Hyoga lutava para controlar a emoção. Quando chegaram ao prédio, Natássia deu um tchauzinho sonolento para os pais e entrou sem cerimônia, para desespero do pai russo, que começou a debulhar-se em lágrimas.

– Para de chorar, Oga. Ela não está indo para a guerra, é só o primeiro dia de aula.

– E se ela se sentir estranha? Se ela não se adaptar? Se ela sofrer bullying? Se puxarem o cabelo dela?

– Ela vai se dar muito bem. Ela conquistou até o Máscara da Morte, acha que ela não vai tirar de letra uns gurizinhos? E vá se acostumando, logo ela vai passar a vir com as outras crianças.

– Não vai, não! Virei trazê-la todos os dias. Eu sei que a cidade é segura, mas se tiver um maníaco à solta?

Shun riu e balançou a cabeça sem acreditar no quão dramático era o marido.

– Eu vou ficar aqui esperando – Hyoga continuou. – Vai que ela se sente mal e quer ir embora antes da hora…

– Se acontecer alguma coisa eles ligam. Ai, Hyoga, isso é para ser um momento feliz. A gente sonhou tanto com o dia que ela poderia fazer tudo que as crianças normais fazem e graças ao Máscara da Morte ela tem essa chance. É um momento para celebrar.

– Estou celebrando, mas e se…

– Chega desse drama! – o cavaleiro médico exclamou rindo e puxou o marido pelo braço, quase arrastando-o pelo parque de volta para casa. – Vamos embora que eu tenho que trabalhar e você vai fazer compras para o bar.

– Acho que eu devia mesmo ficar esperando…

– Vai ficar na porta da escola chorando como um cachorro abandonado?

– Também não é para tanto…

– Não sou eu que estou com os olhos vermelhos de chorar.

– Não era você que era sensível?

– Vem cá, meu bem – Shun chamou e abriu os braços, envolvendo Hyoga com eles. Raramente faziam isso em público, mas o médico estava com vontade de confortar o amado e já não se privava tanto de fazer o que queria. – Eu ainda sou sensível, mas é que agora eu corto pessoas com uma lâmina afiada e meto a mão dentro delas.

– Isso é um pouco assustador.

– Pois é, eu faço essas coisas e mesmo assim não tinha coragem de assumir o que sempre senti por você. Eu nem pensava mais em ter uma família, mas as estrelas se alinharam, trouxeram a Nat e ela fez o milagre de unir nós dois.

– Foi quase sem querer – Hyoga murmurou lembrando-se do momento exato em que a menina, assustada e desorientada, o chamou de papai e o fez tomar a decisão que mudaria sua vida e a de Shun para sempre.


FIM


(ou não)




BÔNUS:


Deslocado em meio aos casaizinhos e achando tudo muito chato, Ikki estava prestes a ir embora da festa de aniversário da sobrinha quando June se aproximou.

– Curtindo a festa? – ela ironizou.

– Um saco… Mas a bebida é boa e de graça.

– Infelizmente estou dirigindo – ela disse mostrando o refrigerante que bebia.

– Agora você é motorista da Saori?

– Estou mais para assistente e guarda pessoal da deusa. Ela preferiu ter as amazonas por perto, então eu e Marin estamos com ela na mansão. Normalmente é o Jabu quem dirige mas hoje ele não pôde.

– E você gosta disso, de ficar o tempo todo bajulando a Saori?

June deu uma gargalhada.

– É tranquilo, paga bem, tenho bastante tempo livre e folgas sempre que quiser, então sim, eu gosto.

– E o Shun com o Hyoga? O que você achou?

– Primeiro me diz o que você achou.

– Tanto faz. Eu não ligo.

– Pra mim tanto faz também – ela respondeu e deu uma longa pausa para pensar no que devia ou não dizer a Ikki. – Já faz muito tempo que eu desisti do Shun, Ikki. Percebi que não tinha futuro bem antes de saber que ele é gay. Só lamento não ter desistido antes. E você, por onde andou esses anos todos?

– Por aí.

– Como sempre.

– É, mas dessa vez acho que vou ficar um tempo por aqui. O Shun me ofereceu o apartamento dele, tô pensando em aceitar.

– Se resolver ficar, me liga – June disse sem rodeios. Estava curiosa para saber o que o Fênix tinha de tão sedutor e nesses anos de solidão, acabou aprendendo a satisfazer os anseios do próprio corpo sempre que surgia a oportunidade. – Ainda sabe o número da mansão?

– É, eu sei – ele disse, sorrindo meio de lado, ciente das intenções da amazona e pronto para aceitar o convite. Eram adultos, livres, e ele não ia negar uma noite de diversão com uma mulher bonita. – Mas por que não hoje, quando você terminar o serviço?

– Tá com pressa… – June deu um sorrisinho sensual.

– Não gosto de perder tempo.

– Ok. Me dá seu telefone e eu te ligo depois que deixar a senhorita Saori em casa.

June pegou o celular e gravou o número do cavaleiro.

– Vou esperar essa ligação…

– Eu cumpro minhas promessas – June disse e, dando uma piscadela, foi pegar um refrigerante mais gelado pois a expectativa do que viria mais tarde já a estava deixando com calor.




Hey, people!!

Volteeeeeei!

Finalmente terminei essa fic e bem no dia do aniversário do Oga! :3 Queria ter terminado durante meu recesso de fim de ano mas acontece que eu me meti a fazer uns cursos online e acabei sem tempo. Agora já voltei ao trabalho e continuo nos cursos, mas me acho que tô conseguindo me organizar mais ou menos… kkkkk

A ideia dessa fic era fazer ceninhas fofas da Nat e unir o casal, então acho que fiz o que pretendia. Agora que o EPGA acabou, resolvi terminar a fic também, maaaaaaaaaaas se surgir alguma ideia posso retomar… Nunca se sabe…

Dois novos casais surgiram nessa festa e fiquei com vontade de investir neles… A fic de Ikki e June inclusive já comecei com essa ceninha bônus e mais um pedacinho já escrito. Vamos ver se consigo desenvolvê-la. Já Shoryu e Yoshino são só um plano beeeeem pro futuro, mas seria divertido fazer a reação de Shina e Debas ao namorado da filhota.

É isso!

Obrigada a todos que acompanharam e comentaram os caps! ;) Até breve!!


Chii

Quase Sem Querer - Capítulo VIII - Colapso

 

Shun! Ela está morta! – Hyoga gritava ao telefone, claramente desesperado.

O quê? – Shun retrucou.

Por um segundo, lembrou da ligação que Hyoga fez meses atrás quando, por impulso, adotou Natássia, mas dessa vez o cavaleiro russo parecia verdadeiramente em pânico.

A Natássia! Não tá respirando! E eu não sinto o pulso!

Deve estar fraco – Shun supôs tentando não se deixar contagiar pelo desespero de Hyoga. – Às vezes é difícil sentir. Você está nervoso, por isso não deve estar sentindo. Traga ela pro hospital agora. Não venha dirigindo porque nessas condições terei de atender vocês dois. Traga como um cavaleiro, o mais rápido que puder. Estou esperando. Venha pelos fundos, pela entrada de serviço. Não quero que a vejam.

Shun pegou o equipamento necessário e correu para o local combinado. Não queria dizer a Hyoga mas se a menina estava mesmo em parada, sabia por sua experiência no pronto-socorro que ela não chegaria viva se fosse levada de carro. A maioria das pessoas na mesma situação chegavam mortas ao hospital quando não eram transportadas rapidamente e foi por isso que insistiu que Hyoga viesse na velocidade da luz.

Quando ele chegou com a filha no colo, Shun já estava pronto para socorrê-la.

Salva ela, Shun! – Hyoga implorou com o rosto contorcido de dor enquanto a colocava na maca. – Salva a nossa filha.

Hyoga estava certo, Natássia não tinha pulso e nem respirava, então o cavaleiro médico começou os procedimentos de ressuscitação, mantendo a calma que lhe era de costume, apesar do nó na garganta e do coração acelerado.

Parou, né? – Hyoga questionou. – O coração dela parou, né? Meu Deus!

Calma! Eu estou agindo para voltar a bater. Ela vai ficar bem – Shun garantiu, mesmo sem ter essa certeza em seu íntimo, e usou um desfibrilador na menina.

Mesmo já tendo visto esse procedimento em séries e filmes, Hyoga se assustou com o choque. Como o coração de Natássia não voltou ao normal, Shun carregou o aparelho outra vez.

Há quanto tempo ela está assim? – perguntou o médico.

Estávamos vendo tevê e de repente ela apagou… no máximo uns dez minutos.

Certo… – Shun disse, percebendo que estavam no limite de tempo. Natássia tinha que voltar logo então ele efetuou o segundo choque.

Voltou – ele anunciou aliviado. – Ela tem pulso. Vou levá-la imediatamente para UTI. E você, fique calmo. Nervosismo não ajuda em nada.

Esse é o meu eu calmo – Hyoga retrucou. – Eu nem estou gritando nem nada. Se ela estivesse dormindo… meu Deus… A sorte que ela acordou quando eu cheguei do bar e fomos ver TV até ela pegar no sono de novo.

Sim, foi muita sorte – Shun disse, empurrando a maca.

Ainda a caminho da UTI, Natássia recobrou a consciência.

Eba! Natássia veio passear no trabalho da mamãe – ela gritou quando se deu conta de onde estava e agarrou com força o pescoço de Shun.

Passear? – perguntou Hyoga. – Você não lembra o que aconteceu?

Ela coçou a cabeça pensativa e depois respondeu:

Vim passear!

Hyoga ia contar o que houve mas refreou-se ao sinal negativo de Shun.

É, você veio passear – disse o médico. – Que tal brincar de fazer exames?

Vai colocar aquele negócio que escuta o coração?

Vou colocar um melhor! Dá pra ver o coração!

Como? Tá aqui dentro? – ela perguntou.

É quase uma mágica! Você vai gostar.

Como a menina estava com sinais vitais estáveis, consciente, falante, Shun desistiu de interná-la na unidade intensiva e a levou para os exames a fim de tentar descobrir a causa da parada cardíaca. Quando chegaram à sala, ela se divertiu com os aparelhos e todos aqueles bipes enquanto Shun fazia os exames.

Me pareceu tudo normal – Shun começou a dizer a Hyoga –, mesmo assim vou levar os exames para meu colega chefe da cardiologia dar uma olhada. Enquanto isso, quero vocês aqui para o caso de ela ter outra parada súbita.

Acha que pode acontecer de novo?

Eu não sei, por isso quero que o cardiologista veja os exames. Leve ela para a minha sala.

Hyoga assentiu e foi para a sala do companheiro. Cansada de "brincar", Natássia adormeceu serena no colo do pai, que passou todo o tempo vigiando-a atentamente.

Quando Shun voltou, já estava amanhecendo.

Você demorou pra caramba! – reclamou o russo assim que o médico entrou.

Acontece que eu estou de plantão. Tive emergências para atender.

Desculpe. Eu sei. É que isso tudo me deixou em pânico.

Eu percebi – Shun disse em um tom amoroso. – É por isso que não estou com raiva. Consegui falar com o cardio. Mostrei os resultados dos exames. Ele nem acreditou que ela tinha sofrido uma parada horas atrás e disse para classificar como parada súbita de causa indeterminada. Passou séculos falando sobre isso como se eu não soubesse. Pelo amor de Deus. Essa minha cara faz eles pensarem que sou um idiota.

O mal de ser bonito e parecer muito jovem.

Pois é. Sobre a Nat, sabe o que estou pensando, não sabe?

É, eu sei… – Hyoga respondeu com a voz embargada. – Ela está começando a deixar esse mundo… A alma está se desconectando.

Shun assentiu tristemente e se ajoelhou em frente à poltrona onde Hyoga estava sentado.

Vou ligar para o Phillip – ele disse, segurando as mãos do companheiro. – Talvez ele saiba o que fazer, porque eu não sei. A medicina que eu estudei pode trazê-la de volta algumas vezes se houver tempo como hoje, mas vai chegar o dia em que não será possível.

Eu não vou aguentar perdê-la… perder minha segunda Natássia…

Vamos fazer o que pudermos para que isso não aconteça.

Sabe, eu admiro muito essa sua postura profissional mas agora eu gostaria muito de um abraço.

Meu Deus, como ele é sentimental – brincou Shun e deu um abraço em Hyoga, que depois completou com um beijo. – Eu prometo que procurarei uma solução. Agora vocês vão para casa. Chamei a Shunrei. Ela já está lá embaixo, vai levar vocês e ficar de olho na Nat enquanto você dorme, porque obviamente você está precisando muito.

Eu não vou conseguir dormir, Shun.

O médico deu a ele um frasco de remédio.

Vai tomar dois comprimidinhos desses e vai dormir, sim. Ainda tenho mais algumas horas de plantão. É o tempo de você descansar. Quando acordar, já estarei em casa.

Shun deu mais um abraço e um beijo em Hyoga, depois fez um carinho no rosto dele.

Agora pega a Nat e vai. Shunrei está esperando.

Tá. Obrigado por tudo. Essa sua calma me dá um pouco de conforto.

Eu sei – o médico disse sorrindo. – Causo esse efeito nas pessoas.

Hyoga também sorriu e pegou Natássia delicadamente, mesmo assim ela acordou.

Já vamos, papai?

É, vamos – respondeu o russo. – Você não quer ir pra casa?

Quero. Já cansei daqui. E tô com fome.

A tia Shunrei vai levar vocês pra casa – Shun disse. – Peça a ela para fazer algo gostoso. Agora dá um beijo em mim e vai com seu pai.

Tchau, mamãe! – ela disse, dando um grande beijo na bochecha de Shun.

Tchau, querida. Comporte-se.

Hyoga desceu com ela saltitando pelos corredores e encontrou-se com Shunrei, que os esperava no carro na rua dos fundos do hospital.

Tia Shu! – a menina gritou e entrou correndo no carro. – Cadê o gato de Natássia?

Ela não esquece isso… – murmurou Hyoga.

Criança nunca esquece, Hyoga. O gatinho está lá em casa, querida. Outro dia levo você para vê-lo.

Natássia quer agora!

Não, Nat – Hyoga disse.

Você disse que eu podia ver meu gato quando eu quisesse!

Ai, Nat… Tivemos uma noite de cão no hospital. Papai precisa descansar.

Cão? Que cão? Eu não vi! Natássia pode ter um cão também?

Vamos conversar sobre isso depois.

Mas eu quero agora!

Quando o seu gatinho crescer e estiver grande e forte, talvez eu deixe você ter um cão também.

Ela vai lembrar disso e vai cobrar – Shunrei disse.

Eu sei que vai…

Enquanto dirigia, Shunrei conversava com Natássia sobre o gatinho, ao passo que Hyoga se mantinha silencioso e pensativo. Ela quis perguntar a ele o que realmente houve, no entanto, preferiu deixar o cavaleiro em paz.

Vá descansar tranquilo, Hyoga – Shunrei disse a ele quando chegaram ao apartamento. – Eu fico com ela, dou o café… Não se preocupe.

Quero panqueca! – Natássia gritou.

Ok, vamos fazer. Tenho uma receita que você vai amar!

Obrigado, Shunrei – Hyoga murmurou e arrastou-se para o quarto. Estava tão cansado que adormeceu assim que deitou mesmo sem tomar os comprimidos que Shun lhe deu.

Horas depois, quando o médico voltou do plantão, encontrou a casa silenciosa e com um cheiro maravilhoso de comida.

Alguma coisa me dizia que você não ia embora sem deixar o jantar pronto – ele disse a Shunrei.

Eu não resisto – ela disse e deu uma piscadela.

A chinesa colocou na frente dele uma tigela fumegante de carne ensopada com arroz, a qual Shun começou a comer imediatamente.

Está delicioso! – ele exclamou.

Que bom! Natássia já almoçou e foi tirar um cochilo com o Hyoga, que dorme desde a hora que chegou. Agora me conta direito o que houve. Ela parece muito bem mas estou vendo nos olhos de vocês dois que algo grave está acontecendo.

Ela está morrendo – ele disse sem rodeios. – E não sabemos como salvá-la porque não é algo que a medicina alcance.

Então vão atrás do que ela não alcança.

Pois é, eu fui. Acabei de falar com Phillip, o nosso curandeiro, e ele disse que não há solução.

Esse tal de Phillip é belo de um idiota. Ele também disse uma coisa a Shiryu e, bom, eu não acredito nele. Vá atrás de alguém com mais conhecimento. Se o Mestre Dohko estivesse vivo, tenho certeza que ele saberia o que fazer, mas já que ele não está...

O melhor amigo dele está – Shun completou, sentindo-se esperançoso pela primeira vez desde o colapso de Natássia. – Estou cuidando do Shion.

Então é isso, fale com ele. Não desista da Natássia!

Bom, não custa nada tentar. Vou atendê-lo essa semana e perguntarei o que fazer. Obrigado, Shunrei. Você, como sempre, é incrível. Shiryu tem muita sorte. Aliás, ele deve estar preocupado com você.

Ele foi para o ateliê, sabe como ele esquece do mundo quando está lá.

Sei. Ele está indo bem?

Tem dias bons e dias mais ou menos, mas no geral está bem. Ele é forte e teimoso.

É, sim. Mande um abraço pra ele.

Claro. Se precisar de novo de mim, é só chamar.

Os dois se despediram com um abraço fraterno e Shunrei voltou para casa, deixando para trás um Shun preocupado e pensativo.

Mais de uma semana se passou sem que Natássia desse novos sinais de problemas. Hyoga, no entanto, mantinha-se em vigilância constante, pouco dormia e tirou férias do bar para estar por perto o tempo todo.

Shun seguia sua vida normalmente, com os plantões e atendimentos de pacientes especiais fora do hospital, incluindo Shion, e em sua visita semanal, aproveitou para tocar no assunto do problema de Natássia. O que ouviu do sábio cavaleiro o fez voltar para casa animado e esperançoso.

Oga, acabo de vir da mansão Kido! – disse o médico para o companheiro assim que entrou em casa.

Hyoga estava largado no sofá, descabelado e ainda de pijamas, apesar de já passar das duas da tarde, e claramente de mau humor.

E ela estava lá? – o russo perguntou.

Ela quem?

A June, ora essa. Ela continua louca por você.

Ah, por favor, não é hora de ter ciúmes. Eu não faço caso por você trabalhar com a travesti de quem foi cliente, faço?

É diferente…

Ela estava lá, sim. Conversamos brevemente. Algum problema?

Fico com ciúmes, não consigo evitar.

Pois comece a evitar esse ciúme infundado.

Tá, desculpe… eu não estou bem, aquela noite infernal ainda me assombra, eu não como direito, não durmo direito, fico o tempo todo atrás da Nat.

E eu já falei que você está exagerando.

Você parece nem ligar para o fato de que ela pode morrer! – gritou Hyoga em tom acusador.

Eu só não estou fazendo drama sobre isso – Shun respondeu sem alterar o tom de voz. – O que eu ia dizer é que conversei longamente com Shion e ele acha que há um meio para salvá-la. Quando a hora chegar, vamos ter de levá-la a um lugar que ele chamou de "última fortaleza"

Eu levo, não importa onde fica isso, vou até ao inferno de novo se for preciso.

Está sendo dramático de novo… Não precisa ir tão longe, fica em Hiroshima. Shion disse que não pode garantir, mas ele acha que lá haverá alguém que poderá ajudar Natássia, então vamos tentar.

Claro que vamos. Eu faria qualquer coisa para salvar as pessoas que amo. Não pude salvar minha mãe, mas vou salvar a minha filha.

Continua…


Quase Sem Querer - Capítulo VII - Simples


Por que você mandou o Shura vir aqui? – Hyoga perguntou a Shun, bastante irritado, no instante em que o médico entrou no Vidianu com Natássia.

Nossa, quanta gentileza ao receber nossa visita! – retrucou Shun ironicamente. – É assim que se começa?

Envergonhado, Hyoga pegou a menina no colo, deu um beijo nela, e também cumprimentou Shun com um abraço discreto, apesar de o bar estar vazio.

Desculpa... – pediu o barman. – Eu estou um pouco irritado...

Estou vendo.

No colo do pai, Natássia examinava o bar com curiosidade.

É aqui que o papai trabalha? – ela perguntou.

É, filha – ele respondeu. – Você gostou?

É bonito – ela disse. Quando ele a colocou no chão, ela saiu correndo pelo estabelecimento.

Agora me explica – Hyoga disse a Shun, puxando-o para perto do balcão. – Por que diabos mandou Shura vir pedir emprego aqui?

Porque você tinha uma vaga de trabalho no bar e ele precisava de um emprego.

Mas ele não tem experiência nenhuma! Ele nem sabe direito o que está fazendo nesse mundo!

E quem é que sabe? – Shun retrucou, sentando-se em um dos bancos. – A vida é tão complicada. Melhor dizendo, a gente complica tanto a vida. Não seja tão duro com o Shura. Ele precisa de uma chance e de amigos. Fiquei muito comovido com o que ele me falou no parque naquele passeio que fizemos juntos. Ele falou do passado, de como não tinha uma relação próxima com os antigos companheiros dourados... Ele precisa de nós. E eu disse a você que ia ajudá-lo a ter uma juventude feliz. É isso que estou fazendo.

Sim, mas não pensei que isso significaria dar um emprego a ele!

O Shura é muito responsável, inteligente, esforçado. E é bonito. Não finja que não vê. Aliás, onde ele está?

Está lá dentro com a Mama, ela está ensinando umas coisas a ele. Eu o contratei, mas só fiz isso por você.

Você não vai se arrepender, seu teimoso antissocial.

A Mama adorou ele...

Ótimo! Assim ela para de dar em cima de você.

Hyoga encarou Shun surpreso.

Que foi? – Shun perguntou. – Acha que eu não vejo? Que eu nunca percebi?

É só brincadeira dela... Ela brinca o tempo todo comigo...

Sei... Você já transou com ela?

Você não costumava ser tão direto... Isso é importante?

Não, mas eu tenho curiosidade de saber. Já?

Ah, Shun, pelo amor de Deus! – exclamou o russo e foi para o lado de dentro do balcão.

Responde. É só uma pergunta.

Hyoga não sabia o que falar, não queria responder, mas também não queria mentir para Shun. Então respirou fundo e disse, bem baixinho:

Antes de trabalhar no bar ela fazia programa e eu fui um cliente… bastante assíduo... porque eu precisava... relaxar...

Eu já sabia! – Shun exclamou rindo. – E não estou te julgando. Longe disso.

Então por que perguntou, caramba?

Porque eu queria ouvir dessa sua linda boca e porque você fica lindo quando está envergonhado! Vai, prepara um drinque pra mim. Você fica com um humor melhor quando está trabalhando. Hoje não quero o scotch de sempre, quero algo especial.

Resmungando, Hyoga começou a preparar um drinque para Shun. Pouco depois, Shura saiu dos fundos do bar com Mama e os dois cumprimentaram o médico.

Obrigado, Shun – agradeceu o espanhol, curvando-se como os japoneses. – Obrigado por ter acreditado em mim. Prometo não decepcionar vocês dois.

Eu sei que não vai – Shun afirmou sorrindo. Achou que o rapaz estava ainda mais bonito com o uniforme do bar e o avental. Também reparou que Mama o devorava com os olhos e resolveu provocá-la. – Tudo bem, Mama? Gostou do novo funcionário, não é?

Ai, doutor, ele é ótimo! – Mama respondeu, suspirando. – Tenho certeza de que vamos nos dar muito bem!

Espero que sim, Mama.

Quando Hyoga terminou de preparar o drinque, Natássia correu até eles e examinou com curiosidade a taça de Blue Moon, que tinha um chamativo tom de azul escuro quase arroxeado.

Quero um desses! – a menina falou.

Quando você tiver uns trinta e cinco anos e morar sozinha – Hyoga respondeu.

Vai demorar? – ela questionou.

Faz um sem álcool pra ela– Shun pediu de um jeito tão doce que Hyoga não resistiu e obedeceu.

O barman reparou um refresco de limão na mesma taça usada no drinque, colocou uma gota de corante azul para ficar parecido com o tom do Blue Moon e deu a Natássia, que fitou a bebida encantada. Shun brindou com ela e cada um tomou sua bebida.

Ficaram mais um pouco no Vidianu e quando o bar começou a ficar movimentado, Shun se despediu do namorado e foi embora com Natássia. Mais tarde, ao retornar para casa, Hyoga encontrou Shun ainda acordado, lendo, mesmo já passando das três da manhã.

Oi, querido – Shun cumprimentou com um beijo. – A Nat demorou a dormir de tão animada com o passeio no bar do papai e eu acabei perdendo o sono. Vem cá. Senta aqui.

Hyoga atendeu e Shun largou o livro para fazer uma massagem nos ombros do namorado.

Nossa, tão tenso... – comentou Shun.

Você sabe o que fazer para me relaxar – ele murmurou de modo sensual e inclinou a cabeça para trás, ansiando por um beijo do namorado, que veio junto com uma carícia em seu baixo-ventre e um convite para terminarem na cama o que começaram.



Dias depois, os cavaleiros tiveram de enfrentar perturbações inesperadas na cidade praiana de Atami. Shura acabou sendo sugado para o Mundo dos Mortos e alguém precisava ir lá ajudá-lo. Com Seiya e Shiryu debilitados demais, Shun se ofereceu para ir, porém Hyoga não permitiu. Temia que, sendo ele o antigo receptáculo de Hades, essa volta ao submundo pudesse afetá-lo de alguma forma. O problema acabou resolvido com a ida de Máscara da Morte, o qual transitava livremente entre o mundo e submundo, mas tanto ele quanto Shura acabaram feridos.

Agora o grupo voltava para Tóquio no shinkansenexceto Seiya, que depois de sua breve aparição, sumiu novamente.

Eles vão se recuperar... – Shun disse ao sentar-se junto de Hyoga quando já estavam quase em Tóquio. Passou a maior parte do tempo de viagem cuidando dos dois feridos.

Ainda bem… – disse Hyoga.

Estabilizei o Shura – Shun prosseguiu.– Ele vai aguentar chegarmos ao hospital. O Máscara não quis atendimento, então acho que está bem.

Ainda não acredito que você queria ir ao submundo... – Hyoga comentou, sem conseguir esconder que estava magoado.

Alguém tinha que ir... – Shun justificou. – Shiryu ainda não se recuperou completamente, Seiya então nem se fala... Aliás, foi tão bom vê-lo... Já fazia tantos anos que ele não aparecia... Pena que foi embora de novo em vez de voltar com a gente.

Não muda de assunto, Shun. Se o Máscara da Morte não tivesse ido, você iria mesmo? Ia deixar a mim e a Natássia?

Você está falando como se eu fosse morrer com certeza absoluta. Eu podia voltar vivo, né? Um pouco de confiança em mim seria bom.

É podia voltar vivo, mas também podia morrer ou voltar mudado. O submundo podia transformar você...

Você sabe que esse é o preço de sermos o que somos.

Eu não quero te perder nunca, meu amor – Hyoga falou baixinho, embora quisesse gritar. – Eu te amo tanto, Shun. Eu preciso de você. Não faz isso comigo!

Um dia, infelizmente, vai acontecer, mas não pretendo que seja logo. Então, fique tranquilo. E eu também te amo, seu bobo.

Só tenta não se arriscar tanto… Agora somos uma família.

Eu vou tentar – Shun prometeu e, ignorando os outros presentes, deu um beijo em Hyoga, fazendo-o corar.

No dia seguinte ao incidente em Atami, Shun tentava manter-se focado em seu plantão. Tinha acabado de checar Shura, que estava internado sem previsão de alta, quando recebeu um aviso de uma das enfermeiras sobre seu irmão estar esperando em sua sala. Quase perguntou "qual deles", mas oficialmente só tinha um e já não o via há muitos anos.

O doutor ajeitou a gravata e o jaleco, e caminhou até sua sala num passo calmo e seguro, embora o coração estivesse acelerado. Trabalhar na urgência tinha lhe dado a habilidade de manter o controle mesmo em situações graves. Já tinha passado por um grande terremoto, com dezenas de feridos no pronto-socorro, e por um acidente de trem grave, onde várias vidas ficaram nas suas mãos, então não era a volta de Ikki que ia desestabilizá-lo. Respirou fundo várias vezes, buscando reforçar o autocontrole, enquanto tentava entender essa volta repentina do irmão.

O afastamento dele foi a coisa que mais o afetou na vida. Quase desistiu de estudar por causa da depressão em que caiu quando foi abandonado por ele. Só conseguiu se salvar porque ainda lhe restavam Hyoga, que sempre foi seu apoio, e Shiryu, que o tratou como um pai nos primeiros anos da faculdade.

De repente, ocorreu-lhe que a volta de Ikki estava relacionada ao namoro com Hyoga. De alguma forma ele devia ter ficado sabendo que a amizade tinha virado amor.

Sempre foi... – Shun murmurou sozinho pelo corredor, com o coração já mais calmo, mas preparando-se para rebater qualquer provocação que viesse de Ikki. – Sempre foi amor. E o Ikki não vai mexer com isso.

O médico decidiu que se fosse essa a razão da volta de Ikki, se ele veio para repreendê-lo, ia ter uma belíssima surpresa. Ele não era mais aquele menino frágil, chorão. Era um homem adulto, um médico que construía uma carreira respeitável, não ia engolir nada calado, nem mesmo dele.

Na porta da sala, Shun respirou fundo e entrou. Deparou-se com Ikki sentado displicentemente no sofá.

Olá, Ikki – cumprimentou Shun, mantendo a voz totalmente sob controle, e o rosto sereno, embora o coração tivesse voltado a bater descompassado.

Ikki ainda parecia o mesmo de sempre, com os cabelos tingidos de azul, a cara marrenta e a mesma velha dor entranhada no cosmo. E ainda parecia um adolescente rebelde, apesar dos quase quarenta anos.

E aí? – Ikki perguntou. – Estava passando por Tóquio. Achei que podia vir te visitar. Sala legal.

Há dez anos você não aparece... – Shun disse. Apesar de tentar parecer neutro, seu tom deixava transparecer certa mágoa. – Da última vez, eu ainda estava na faculdade. E quando eu me formei, você não estava lá...

É complicado...

Deve ser... – ironizou o irmão mais novo.

Como você está?

Nunca estive melhor – ele respondeu. – Estou muito feliz com o meu marido e minha filha.

Seu marido? – Ikki indagou.

É. E você conhece ele, é o Hyoga. Estamos criando uma filha juntos. Mas acho que você já sabia, né? Voltou por isso, posso apostar.

Não, eu não sabia. Eu não fico te seguindo. E não estou entendendo essa sua postura quase agressiva. Eu nunca disse nada sobre isso, sobre você ser gay, mas eu sempre desconfiei. Mais que isso, sempre desconfiei que você e o Hyoga... bom, estava bem óbvio.

Desculpa... – pediu Shun, envergonhado pela agressividade gratuita. – Eu achei que...

Logo você que sempre foi tão contra a violência...

Eu pensei que você ia falar dele ou da nossa filha e não ia admitir isso...

Eu só vim te ver, saber como você está. Sei lá, me deu vontade. Mas que negócio é esse de filha?

O Hyoga adotou uma menina, eu comecei a ajudar... Agora estamos criando ela juntos. Ela se chama...

Natássia – Ikki completou rindo e Shun assentiu. – O pato é muito previsível.

Shun tirou o celular do bolso, sentou no sofá ao lado do irmão e mostrou a ele várias fotos da menina.

Essa minha sobrinha é bem bonitinha – Ikki comentou.

Ela é a criança mais adorável do universo! Foi uma luz na minha e na do Hyoga, preencheu um vazio que eu nem sabia que existia.

Estou feliz por ver que você está bem, que tem uma família, é doutor. Eu sabia que você ia longe. Sempre foi melhor que eu em quase tudo, menos na hora da porrada. Estou orgulhoso de você, irmão.

Obrigado. Você podia ir jantar lá em casa algum dia e conhecer a Nat. Ela é um amor.

Pode ser... Vou ficar em Tóquio mais alguns dias.

Eu estarei de folga amanhã... – Shun disse e começou a anotar algo no seu talão de receituário. Quando terminou, entregou a folha a Ikki. – E esse é o meu endereço. Vamos te esperar. Agora preciso ir atender.

Certo. Até amanhã.

Depois de Ikki ir embora, Shun não teve muito tempo para pensar nesse reencontro, devido às várias emergências que apareceram durante o restante do plantão, e quando voltou para casa, estava tão cansado que dormiu algumas horas. Levantou-se revigorado e pronto para arrumar a casa e preparar as coisas para o jantar.

No apartamento vizinho, Hyoga estranhou ele não ter aparecido, já que sempre passava para vê-lo depois de um plantão. Resolveu ir até Shun e ouviu com surpresa a história de que Ikki tinha voltado. Ficou ainda mais surpreso quando soube que ele viria jantar. Shun pediu que ele arrumasse Natássia e viesse para o apartamento às oito horas da noite.

Mesmo achando que Ikki não apareceria, o russo telefonou para Mama, deixando o bar os cuidados dela. Depois, deu um banho em Natássia, pôs nela o vestido mais bonito e foi para o apartamento de Shun com a menina. Mais do que agradar o namorado, queria estar presente. Ainda não estava acreditando muito que Ikki aceitou tranquilamente o relacionamento entre os dois e estava pronto para defender Shun e Natássia com unhas e dentes.

Não sei se foi uma boa ideia convidar o Ikki – Hyoga finalmente comentou com Shun o que queria dizer desde cedo.

Claro que foi – Shun disse, enquanto arrumava a mesa. – Relaxa. Eu mesmo me armei para rebater qualquer crítica, mas ele reagiu de modo bem tranquilo. Acho que ele está cansado de ser um lobo solitário. Vamos recebê-lo de braços abertos, por favor.

Você e seu espírito de Médico Sem Fronteiras, querendo salvar todo mundo. O Shura, o Ikki...

Faz parte de mim, você sabe.

É, mas se o Ikki mexer com você ou com a minha filha, isso não vai dar certo...

Ele não vai fazer nada...

Ele é imprevisível, Shun!

E ele disse que você é previsível – riu Shun.

Tá, vamos ver quem está certo.

Pontualmente às oito horas, Ikki chegou. Foi recebido com um abraço do irmão e um cumprimento cordial de Hyoga. A pequena Natássia o olhou da cabeça aos pés.

Oi, tio... – ela cumprimentou meio desconfiada, agarrada na perna do pai, e olhando fixamente para o homem de cabelos azuis, que vestia calça e casaco de couro.

Olá, Natássia – ele cumprimentou de volta fazendo um carinho na cabeça dela. – Então vocês estão morando aqui? – perguntou depois de entrar e sentar no sofá sem cerimônia.

Shun e Hyoga também se sentaram. Perto do pai, Natássia continuava olhando fixo para Ikki, analisando-o.

Na verdade, só eu moro aqui – Shun respondeu. – O Hyoga mora com a Nat no apartamento vizinho. É que eu tenho uns horários de trabalho meio estranhos... E o que você tem feito da vida?

Estava por aí, vendo as coisas do mundo... Mas vou passar um tempo aqui no Japão, até essa merda toda acabar, essa loucura dos caras mortos estarem de volta, essas porcarias de Sem Rosto, Gladiadores, Mundo Perdido...

É, as coisas andam meio agitadas ultimamente – Shun comentou. – Mas faz parte... É assim que é.

Como vocês dois conseguem continuar vivendo como se nada estivesse acontecendo?

E por que não? – Shun perguntou. – Posso morrer lutando ou atravessando a rua. A verdade é que nunca se sabe quando vai ser a hora, então não deixo de viver por isso.

Falando assim parece fácil – Ikki disse pensativo. – Mas a maioria dos cavaleiros não consegue essa façanha, Shun...

Isso é verdade. Mas é possível, funcionou para nós dois e para Shiryu. Eu realmente acho que você devia voltar, tentar se aproximar de nós, tentar viver normalmente como fazemos.

Eu gosto de andar por aí e...

Não gosta de andar em bando – completou Shun. – Eu sei. Mas se mudar de ideia, meu apartamento está à disposição. E você vai ter bastante sossego, porque fico pouquíssimo tempo aqui. Geralmente, quando não estou de plantão, estou lá no apartamento do Hyoga.

Depois que essa merda toda acabar, talvez eu fique...

Fica, tio! – Natássia disse, finalmente se aproximando e puxando a camisa de Ikki. Depois, pulou no colo dele e o abraçou, deixando o cavaleiro meio sem graça. – Natássia gosta do seu cabelo azul. Parece bumun, aquela bebida que o papai faz.

Ela quis dizer Blue Moon – corrigiu Shun, rindo. – Fica aí conversando com seu tio. Vou finalizar o jantar.

E eu posso te servir uma bebida, Ikki? – Hyoga perguntou.

– Claro. Serve a mais forte que tiver, cunhadinho.

Continua...

Quase Sem Querer - Capítulo IX - Parabéns

– Prontinho – Shunrei anunciou enquanto admirava sua obra concluída: o bolo esculpido em formato de gato para o aniversário de Natássia. O...