23 de janeiro de 2021

Quase Sem Querer - Capítulo VIII - Colapso

 

Shun! Ela está morta! – Hyoga gritava ao telefone, claramente desesperado.

O quê? – Shun retrucou.

Por um segundo, lembrou da ligação que Hyoga fez meses atrás quando, por impulso, adotou Natássia, mas dessa vez o cavaleiro russo parecia verdadeiramente em pânico.

A Natássia! Não tá respirando! E eu não sinto o pulso!

Deve estar fraco – Shun supôs tentando não se deixar contagiar pelo desespero de Hyoga. – Às vezes é difícil sentir. Você está nervoso, por isso não deve estar sentindo. Traga ela pro hospital agora. Não venha dirigindo porque nessas condições terei de atender vocês dois. Traga como um cavaleiro, o mais rápido que puder. Estou esperando. Venha pelos fundos, pela entrada de serviço. Não quero que a vejam.

Shun pegou o equipamento necessário e correu para o local combinado. Não queria dizer a Hyoga mas se a menina estava mesmo em parada, sabia por sua experiência no pronto-socorro que ela não chegaria viva se fosse levada de carro. A maioria das pessoas na mesma situação chegavam mortas ao hospital quando não eram transportadas rapidamente e foi por isso que insistiu que Hyoga viesse na velocidade da luz.

Quando ele chegou com a filha no colo, Shun já estava pronto para socorrê-la.

Salva ela, Shun! – Hyoga implorou com o rosto contorcido de dor enquanto a colocava na maca. – Salva a nossa filha.

Hyoga estava certo, Natássia não tinha pulso e nem respirava, então o cavaleiro médico começou os procedimentos de ressuscitação, mantendo a calma que lhe era de costume, apesar do nó na garganta e do coração acelerado.

Parou, né? – Hyoga questionou. – O coração dela parou, né? Meu Deus!

Calma! Eu estou agindo para voltar a bater. Ela vai ficar bem – Shun garantiu, mesmo sem ter essa certeza em seu íntimo, e usou um desfibrilador na menina.

Mesmo já tendo visto esse procedimento em séries e filmes, Hyoga se assustou com o choque. Como o coração de Natássia não voltou ao normal, Shun carregou o aparelho outra vez.

Há quanto tempo ela está assim? – perguntou o médico.

Estávamos vendo tevê e de repente ela apagou… no máximo uns dez minutos.

Certo… – Shun disse, percebendo que estavam no limite de tempo. Natássia tinha que voltar logo então ele efetuou o segundo choque.

Voltou – ele anunciou aliviado. – Ela tem pulso. Vou levá-la imediatamente para UTI. E você, fique calmo. Nervosismo não ajuda em nada.

Esse é o meu eu calmo – Hyoga retrucou. – Eu nem estou gritando nem nada. Se ela estivesse dormindo… meu Deus… A sorte que ela acordou quando eu cheguei do bar e fomos ver TV até ela pegar no sono de novo.

Sim, foi muita sorte – Shun disse, empurrando a maca.

Ainda a caminho da UTI, Natássia recobrou a consciência.

Eba! Natássia veio passear no trabalho da mamãe – ela gritou quando se deu conta de onde estava e agarrou com força o pescoço de Shun.

Passear? – perguntou Hyoga. – Você não lembra o que aconteceu?

Ela coçou a cabeça pensativa e depois respondeu:

Vim passear!

Hyoga ia contar o que houve mas refreou-se ao sinal negativo de Shun.

É, você veio passear – disse o médico. – Que tal brincar de fazer exames?

Vai colocar aquele negócio que escuta o coração?

Vou colocar um melhor! Dá pra ver o coração!

Como? Tá aqui dentro? – ela perguntou.

É quase uma mágica! Você vai gostar.

Como a menina estava com sinais vitais estáveis, consciente, falante, Shun desistiu de interná-la na unidade intensiva e a levou para os exames a fim de tentar descobrir a causa da parada cardíaca. Quando chegaram à sala, ela se divertiu com os aparelhos e todos aqueles bipes enquanto Shun fazia os exames.

Me pareceu tudo normal – Shun começou a dizer a Hyoga –, mesmo assim vou levar os exames para meu colega chefe da cardiologia dar uma olhada. Enquanto isso, quero vocês aqui para o caso de ela ter outra parada súbita.

Acha que pode acontecer de novo?

Eu não sei, por isso quero que o cardiologista veja os exames. Leve ela para a minha sala.

Hyoga assentiu e foi para a sala do companheiro. Cansada de "brincar", Natássia adormeceu serena no colo do pai, que passou todo o tempo vigiando-a atentamente.

Quando Shun voltou, já estava amanhecendo.

Você demorou pra caramba! – reclamou o russo assim que o médico entrou.

Acontece que eu estou de plantão. Tive emergências para atender.

Desculpe. Eu sei. É que isso tudo me deixou em pânico.

Eu percebi – Shun disse em um tom amoroso. – É por isso que não estou com raiva. Consegui falar com o cardio. Mostrei os resultados dos exames. Ele nem acreditou que ela tinha sofrido uma parada horas atrás e disse para classificar como parada súbita de causa indeterminada. Passou séculos falando sobre isso como se eu não soubesse. Pelo amor de Deus. Essa minha cara faz eles pensarem que sou um idiota.

O mal de ser bonito e parecer muito jovem.

Pois é. Sobre a Nat, sabe o que estou pensando, não sabe?

É, eu sei… – Hyoga respondeu com a voz embargada. – Ela está começando a deixar esse mundo… A alma está se desconectando.

Shun assentiu tristemente e se ajoelhou em frente à poltrona onde Hyoga estava sentado.

Vou ligar para o Phillip – ele disse, segurando as mãos do companheiro. – Talvez ele saiba o que fazer, porque eu não sei. A medicina que eu estudei pode trazê-la de volta algumas vezes se houver tempo como hoje, mas vai chegar o dia em que não será possível.

Eu não vou aguentar perdê-la… perder minha segunda Natássia…

Vamos fazer o que pudermos para que isso não aconteça.

Sabe, eu admiro muito essa sua postura profissional mas agora eu gostaria muito de um abraço.

Meu Deus, como ele é sentimental – brincou Shun e deu um abraço em Hyoga, que depois completou com um beijo. – Eu prometo que procurarei uma solução. Agora vocês vão para casa. Chamei a Shunrei. Ela já está lá embaixo, vai levar vocês e ficar de olho na Nat enquanto você dorme, porque obviamente você está precisando muito.

Eu não vou conseguir dormir, Shun.

O médico deu a ele um frasco de remédio.

Vai tomar dois comprimidinhos desses e vai dormir, sim. Ainda tenho mais algumas horas de plantão. É o tempo de você descansar. Quando acordar, já estarei em casa.

Shun deu mais um abraço e um beijo em Hyoga, depois fez um carinho no rosto dele.

Agora pega a Nat e vai. Shunrei está esperando.

Tá. Obrigado por tudo. Essa sua calma me dá um pouco de conforto.

Eu sei – o médico disse sorrindo. – Causo esse efeito nas pessoas.

Hyoga também sorriu e pegou Natássia delicadamente, mesmo assim ela acordou.

Já vamos, papai?

É, vamos – respondeu o russo. – Você não quer ir pra casa?

Quero. Já cansei daqui. E tô com fome.

A tia Shunrei vai levar vocês pra casa – Shun disse. – Peça a ela para fazer algo gostoso. Agora dá um beijo em mim e vai com seu pai.

Tchau, mamãe! – ela disse, dando um grande beijo na bochecha de Shun.

Tchau, querida. Comporte-se.

Hyoga desceu com ela saltitando pelos corredores e encontrou-se com Shunrei, que os esperava no carro na rua dos fundos do hospital.

Tia Shu! – a menina gritou e entrou correndo no carro. – Cadê o gato de Natássia?

Ela não esquece isso… – murmurou Hyoga.

Criança nunca esquece, Hyoga. O gatinho está lá em casa, querida. Outro dia levo você para vê-lo.

Natássia quer agora!

Não, Nat – Hyoga disse.

Você disse que eu podia ver meu gato quando eu quisesse!

Ai, Nat… Tivemos uma noite de cão no hospital. Papai precisa descansar.

Cão? Que cão? Eu não vi! Natássia pode ter um cão também?

Vamos conversar sobre isso depois.

Mas eu quero agora!

Quando o seu gatinho crescer e estiver grande e forte, talvez eu deixe você ter um cão também.

Ela vai lembrar disso e vai cobrar – Shunrei disse.

Eu sei que vai…

Enquanto dirigia, Shunrei conversava com Natássia sobre o gatinho, ao passo que Hyoga se mantinha silencioso e pensativo. Ela quis perguntar a ele o que realmente houve, no entanto, preferiu deixar o cavaleiro em paz.

Vá descansar tranquilo, Hyoga – Shunrei disse a ele quando chegaram ao apartamento. – Eu fico com ela, dou o café… Não se preocupe.

Quero panqueca! – Natássia gritou.

Ok, vamos fazer. Tenho uma receita que você vai amar!

Obrigado, Shunrei – Hyoga murmurou e arrastou-se para o quarto. Estava tão cansado que adormeceu assim que deitou mesmo sem tomar os comprimidos que Shun lhe deu.

Horas depois, quando o médico voltou do plantão, encontrou a casa silenciosa e com um cheiro maravilhoso de comida.

Alguma coisa me dizia que você não ia embora sem deixar o jantar pronto – ele disse a Shunrei.

Eu não resisto – ela disse e deu uma piscadela.

A chinesa colocou na frente dele uma tigela fumegante de carne ensopada com arroz, a qual Shun começou a comer imediatamente.

Está delicioso! – ele exclamou.

Que bom! Natássia já almoçou e foi tirar um cochilo com o Hyoga, que dorme desde a hora que chegou. Agora me conta direito o que houve. Ela parece muito bem mas estou vendo nos olhos de vocês dois que algo grave está acontecendo.

Ela está morrendo – ele disse sem rodeios. – E não sabemos como salvá-la porque não é algo que a medicina alcance.

Então vão atrás do que ela não alcança.

Pois é, eu fui. Acabei de falar com Phillip, o nosso curandeiro, e ele disse que não há solução.

Esse tal de Phillip é belo de um idiota. Ele também disse uma coisa a Shiryu e, bom, eu não acredito nele. Vá atrás de alguém com mais conhecimento. Se o Mestre Dohko estivesse vivo, tenho certeza que ele saberia o que fazer, mas já que ele não está...

O melhor amigo dele está – Shun completou, sentindo-se esperançoso pela primeira vez desde o colapso de Natássia. – Estou cuidando do Shion.

Então é isso, fale com ele. Não desista da Natássia!

Bom, não custa nada tentar. Vou atendê-lo essa semana e perguntarei o que fazer. Obrigado, Shunrei. Você, como sempre, é incrível. Shiryu tem muita sorte. Aliás, ele deve estar preocupado com você.

Ele foi para o ateliê, sabe como ele esquece do mundo quando está lá.

Sei. Ele está indo bem?

Tem dias bons e dias mais ou menos, mas no geral está bem. Ele é forte e teimoso.

É, sim. Mande um abraço pra ele.

Claro. Se precisar de novo de mim, é só chamar.

Os dois se despediram com um abraço fraterno e Shunrei voltou para casa, deixando para trás um Shun preocupado e pensativo.

Mais de uma semana se passou sem que Natássia desse novos sinais de problemas. Hyoga, no entanto, mantinha-se em vigilância constante, pouco dormia e tirou férias do bar para estar por perto o tempo todo.

Shun seguia sua vida normalmente, com os plantões e atendimentos de pacientes especiais fora do hospital, incluindo Shion, e em sua visita semanal, aproveitou para tocar no assunto do problema de Natássia. O que ouviu do sábio cavaleiro o fez voltar para casa animado e esperançoso.

Oga, acabo de vir da mansão Kido! – disse o médico para o companheiro assim que entrou em casa.

Hyoga estava largado no sofá, descabelado e ainda de pijamas, apesar de já passar das duas da tarde, e claramente de mau humor.

E ela estava lá? – o russo perguntou.

Ela quem?

A June, ora essa. Ela continua louca por você.

Ah, por favor, não é hora de ter ciúmes. Eu não faço caso por você trabalhar com a travesti de quem foi cliente, faço?

É diferente…

Ela estava lá, sim. Conversamos brevemente. Algum problema?

Fico com ciúmes, não consigo evitar.

Pois comece a evitar esse ciúme infundado.

Tá, desculpe… eu não estou bem, aquela noite infernal ainda me assombra, eu não como direito, não durmo direito, fico o tempo todo atrás da Nat.

E eu já falei que você está exagerando.

Você parece nem ligar para o fato de que ela pode morrer! – gritou Hyoga em tom acusador.

Eu só não estou fazendo drama sobre isso – Shun respondeu sem alterar o tom de voz. – O que eu ia dizer é que conversei longamente com Shion e ele acha que há um meio para salvá-la. Quando a hora chegar, vamos ter de levá-la a um lugar que ele chamou de "última fortaleza"

Eu levo, não importa onde fica isso, vou até ao inferno de novo se for preciso.

Está sendo dramático de novo… Não precisa ir tão longe, fica em Hiroshima. Shion disse que não pode garantir, mas ele acha que lá haverá alguém que poderá ajudar Natássia, então vamos tentar.

Claro que vamos. Eu faria qualquer coisa para salvar as pessoas que amo. Não pude salvar minha mãe, mas vou salvar a minha filha.

Continua…


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