12 de dezembro de 2020

Quase Sem Querer - Capítulo IV - Espadas

 

Hyoga estava tentando arrumar a bagunça espalhada pela casa quando a campainha tocou.

Shun! – ele exclamou alegremente ao abrir a porta e deparar-se com o amigo. 

Desculpe não ter avisado, eu sei que não é educado, mas queria exatamente fazer uma surpresa.

Você não precisa avisar, Shun – Hyoga disse, procurando conter um pouco sua alegria. Embora estivessem sempre se falando ou trocando mensagens por causa de Natássia, não se viam há três dias. Até tinha pensado em convidar Shun para um passeio, mas se sentia completamente esgotado e acabou desistindo.

"Antes passávamos semanas sem nos vermos", pensou o russo. "E tudo bem... Eu suportava tranquilamente. Mas agora em apenas três dias senti tanta falta da presença física dele, dos gestos suaves, do olhar sábio, do sorriso contido, do cheiro..."

Hoje é minha folga! – o médico anunciou. Trazia uma mochila nas costas e sacolas de supermercado cheias. – Então vim ver vocês!

Tio! – Natássia gritou quando o viu e veio correndo até ele.

Shun segurou a menina nos braços e ergueu-a no alto coisa que já estava virando um costume entre eles.

Como você está, Nat? – ele perguntou.

Tô bem, tio! – ela disse e deu um beijo no rosto dele. – Tava com saudade!

Eu também estava, querida. Tive muito trabalho nos últimos dias, mas hoje eu sou todinho de vocês.

Hyoga sentiu um leve tremor espalhar-se por seu corpo ao ouvir isso, pois desejava que fosse verdade em todos os sentidos da expressão. Estava acostumado a reprimir seus sentimentos, vinha fazendo isso há muito tempo, mas agora, depois de Natássia, já não sabia mais se era capaz de continuar agindo desse jeito.

Mandei imprimir as fotos que tirei dela – Shun disse, tirando um envelope da mochila. – Ficaram ótimas!

Deixa eu ver, tio! – Natássia pediu.

Vamos sentar e ver juntos? – ele sugeriu, então os três sentaram no sofá para ver as fotos.

Ficaram realmente boas – disse Hyoga. – Especialmente essa de nós três no parque.

Eu também gosto muito dessa. Fiz uma cópia dessa pra mim de tão perfeita que ficou. Você ficou muito bem nela, mas hoje sua cara está horrível.

É, eu sei. Tenho dormido pouco para dar atenção a ela. Às vezes nem durmo. É cansativo, mas é tanto amor, Shun. Quero muito fazê-la feliz. Falei com a Saori ontem, e isso foi bem difícil, pois ela anda cada vez mais reclusa… A Fundação vai me ajudar a providenciar documentos. A Nat precisa "existir" legalmente, precisa ter documentos, plano de saúde, talvez ir para a escola algum dia, essas coisas.

Você quer dizer forjar documentos?

Mais ou menos isso...

Bom, que seja. Meus documentos do ensino médio também não são verdadeiros. E pode contar comigo para o que precisar. Médico ela já tem, né? E meu diploma é verdadeiro!

Obrigado, Shun – ele agradeceu rindo e pousou uma mão na perna do amigo. – Por tudo, tudo mesmo.

Shun sorriu, mas seu corpo ficou tenso. Aquela mão não queria dizer nada, queria?

"Não", ele respondeu em pensamento. "Estou imaginando coisas. Todos esses anos e ele nunca demonstrou sentir nada por mim além de amizade. Isso é só porque eu estou ajudando com Natássia. Melhor esquecer... Melhor não criar expectativas."

Eu vim passar o dia inteiro com vocês – ele disse, afastando seus pensamentos e levantando do sofá. – Vim de mochila e tudo porque pretendo passar a noite com ela para você poder ir trabalhar tranquilo. Pretendia ficar quietinho, vendo uns filmes com ela, mas você está com essa cara horrível, parecendo que não dorme há semanas. Acho melhor levá-la para passear um pouco e deixar você descansar. O que acha?

Eu agradeço demais, Shun, mas você não tem obrigação... Vai perder sua folga pra cuidar da minha filha?

Eu quero fazer isso! – Shun retrucou. – Quero ajudar a cuidar da sua filha. Não estou "perdendo" a minha folga. Adoro ficar com ela. Vou sair com a Nat e você vai descansar.

Tá, então vou arrumá-la.

Vai dormir. Eu faço isso.

Não, só vou dormir quando vocês saírem. Quero me despedir dela.

Enquanto o pai a arrumava sob o olhar de Shun, Natássia não perdeu a oportunidade de sanar a curiosidade que a atormentava.

Tio Shun, você também tem aquele negócio do papai? – ela perguntou.

Que negócio? – Shun perguntou. – Do que está falando?

Ai, Natássia, agora não – pediu Hyoga, já sabendo do que ela estava falando. Ela o ignorou.

Aquele negócio de fazer xixi. O do papai é diferente do meu. Eu quero um daqueles!

É que seu pai é menino… – Shun começou a falar, tentando ficar sério, mas ela o interrompeu:

E eu sou menina! Já sei! Ele disse! Você tem?

Bom, eu também sou menino, então… é, eu tenho – ele respondeu.

Outra hora a gente conversa sobre isso, querida – disse Hyoga, fechando o zíper do vestido dela, um modelo bege com bolinhas pretas e babadinhos rendados. – Agora você está linda, princesa!

Eu não quero ser princesa, quero ser herói! – protestou a menina.

Se diz heroína – corrigiu Hyoga, e foi inevitável lembrar que ela tinha dito a mesma coisa durante a batalha onde se enfrentaram. Achou que ela podia ter alguma lembrança em seu subconsciente, ou talvez fosse simplesmente uma vontade de criança que ela expressou mesmo quando estava possuída.

Você pode ser o que quiser – ele continuou. – Até mesmo uma princesa heroína.

Com uma espada grande? Quero uma espada!

"Outra lembrança?", perguntou-se Hyoga. "Ela também quis uma espada quando lutávamos..."

Vamos ver – ele respondeu, ligeiramente preocupado. – Se você se comportar bem pode ganhar uma espada.

Eu vou me comportar! Prometo.

Certo. Agora vá com o tio Shun. Seja uma menina educada e não fique pedindo para ele comprar coisas pra você.

Tá. Eu volto já, papai.

Natássia abraçou Hyoga com seus bracinhos magrelos e ganhou dele um beijo na bochecha. Depois ela agarrou a mão de Shun e os dois seguiram para o shopping, onde almoçaram, viram um filme e ele a presenteou com roupas e com a espada de plástico que ela tanto queria.

No final da tarde, voltaram para a casa de Hyoga, que estava totalmente silenciosa.

Parece que seu pai ainda está dormindo – Shun disse.

– Natássia vai lá acordar ele! Quero mostrar o que eu ganhei!

Não, Nat. Vamos deixar ele descansar, sim? Além disso, preciso da sua ajuda para fazer o jantar! Você vai me ajudar?

Vou! – ela gritou animada e foi com ele para a cozinha.

Quando Hyoga acordou, já passava das oito da noite e ele encontrou o companheiro médico sozinho na cozinha.

Olá, dorminhoco – cumprimentou Shun. – A Nat cansou e dormiu, então eu a coloquei na cama. Estava fazendo umas comidinhas para vocês, coisas práticas para deixar congeladas e só aquecer no micro-ondas quando vocês precisarem.

O que eu faria sem você, hein? – perguntou o loiro.

Shun voltou-se para ele e deu um sorriso tão encantador que aqueceu o coração de Hyoga e despertou de novo aquela vontade há muito reprimida. Queria beijá-lo. Queria muito tê-lo em seus braços. Então decidiu: era agora ou nunca. Tinha que aproveitar o momento ou talvez o perderia para sempre.

Eu pensei muito, mas muito mesmo sobre isso… – Hyoga começou a falar, a voz falhando a cada palavra.

Isso? – Shun perguntou.

E tomei coragem por causa da Natássia... Eu não quero mais ser um covarde. Não é isso que eu quero ensinar para a minha filha.

Você não é covarde. De onde tirou isso? É um dos homens mais corajosos e fortes que eu conheço.

Deixa eu continuar, senão vou fraquejar. Pode ser que eu esteja fazendo tudo errado e esteja acabando com a nossa amizade, mas não aguento mais! Eu te amo tanto, Shun. Te amo desde aquela época, desde a adolescência… Pronto. É isso. Eu sempre te amei. Sempre tive medo do que eu sinto, mas agora eu não quero mais ter medo. Adotar a Natássia me abriu os olhos. Precisamos ter coragem nessa vida, senão ficamos estagnados como eu fiquei todos esses anos. Não me importa se somos filhos do mesmo pai. Não me importa mais nada. Só que eu te amo, amo a Nat e quero formar uma família com vocês.

Com os olhos inevitavelmente marejados, Shun fitava o loiro. Estava surpreso, emocionado e também confuso diante do que estava acontecendo. Hyoga tinha acabado de se declarar? Era isso mesmo? Ou ele estava ouvindo coisas?

Você não vai me dizer nada? – perguntou Hyoga, tentando ler a expressão de Shun. Ele estava claramente comovido, mas por que não dizia nada?

Shun respirou fundo e dedicou ao loiro seu olhar mais doce.

Eu também te amo, Hyoga – ele declarou, aproximando-se e tocando a face do loiro. – Também sempre te amei. Por que a gente levou esse tempo todo pra dizer isso, hein? Podíamos ter sido tão felizes.

Ainda podemos ser – Hyoga disse, e aproximou-se ainda mais de Shun. – Nós seremos.

Esperei tanto por isso – murmurou o médico e finalmente beijou Hyoga, mordiscou os lábios, buscou a língua dele com a sua, deixou que ele fizesse o mesmo.

O loiro o puxou mais para si, deixando as mãos passearem pelas costas de Shun. O desejo reprimido avolumava-se rapidamente, fazendo os corpos de ambos reagirem. Calaram tanto o amor e o desejo que sentiam um pelo outro que não podiam esperar mais.

Melhor a gente ir para o quarto – sussurrou Hyoga. – A Nat pode acordar e vir aqui na cozinha...

Shun concordou e seguiu Hyoga. Lá dentro, fecharam a porta, assegurando-se de trancá-la com chave, e finalmente entregaram-se ao amor por horas.

E agora? – perguntou o loiro ainda arfando, com Shun em seus braços.

Agora estamos juntos…

Como vamos fazer com a Nat? Vamos falar para ela?

Não acho que precisamos falar – Shun respondeu e fez um carinho no peito de Hyoga. – Ela vai perceber em algum momento. Se já não percebeu. Criança tem uma sensibilidade que você nem imagina... E se ela perguntar, falaremos com naturalidade que nos amamos. Ela vai entender.

Certo – Hyoga assentiu e deu mais um beijinho nele. – Você é o sábio aqui.

Não… somos dois bobos por termos esperado tanto.

Continua...

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