12 de dezembro de 2020

Quase Sem Querer - Capítulo III - Consequências

 

Depois de deixar Natássia na casa de Shiryu, Hyoga foi para o bar e tentou trabalhar, mas estava cansado, com sono e completamente disperso. Não fez nenhuma besteira, acertou todos os drinques, porém hoje isso lhe exigiu o dobro de concentração. Clientes e funcionários quiseram saber o que estava acontecendo com ele, mas o cavaleiro barman simplesmente se esquivou das perguntas a noite inteira porque ainda não estava pronto para falar sobre Natássia com pessoas fora do seu pequeno círculo íntimo de amizade.

Depois de fechar o bar, ele resolveu não voltar para casa, que ficava bem distante da de Shiryu. Dormiu em um hotel-cápsula perto do estabelecimento e às sete da manhã foi buscar a filha como combinado. Encontrou-a de banho tomado, penteada e tomando o café da manhã com Shiryu e Shunrei.

Papai! – ela gritou ao vê-lo e correu para abraçá-lo. – Natássia estava com saudade!

Oi, amor! – ele cumprimentou, pegando a menina no colo e beijando-a. – Como foi com os tios?

A tia Shunrei faz comida gostosa e eu gosto dos gatinhos! Meu gatinho é tão lindo! Não dá mesmo pra levar agora?

Não, não dá, querida. Já acabou seu café?

Ah, não! Ainda quero comer!

Senta aí, Hyoga – convidou Shiryu, sorrindo. – Toma café conosco. Você está com uma cara péssima.

Obrigado – ele agradeceu e sentou-se à mesa. – A cara está péssima mesmo, eu sei. Dormi poucas horas num hotel-cápsula perto daqui, mas estou mesmo é com fome. Nem lembro quando foi que comi.

Fique à vontade, Hyoga – Shunrei disse. – Temos baozi fresquinhos, ovos mexidos, mingau de arroz.

Um café da manhã chinês em Tóquio – disse Hyoga, provando um dos pãezinhos – Nossa! Isso está muito gostoso!

A gente sai da China, mas a China não sai da gente... – comentou Shiryu.

Tô vendo... Está tudo delicioso! Pessoal, eu não consegui ninguém pra ficar com a Nat hoje…

Pode deixar ela conosco sempre que precisar, Hyoga – Shunrei disse. – De verdade. Não é incômodo nenhum.

Traga ela de novo – Shiryu reforçou. – Vamos estar em casa.

Muito obrigado mesmo. Vocês são incríveis. E aqui eu sei que ela vai comer bem!

Não quero mais que vá trabalhar – Natássia disse.

Meu amor, papai precisa trabalhar. Ainda mais agora que tenho você!

Mas você ficou a noite todinha lá! Não é justo!

Você chegou muito rápido. Ainda estou adaptando as coisas. Vou arrumar alguém de confiança para ficar no bar e aí poderei passar mais tempo com você, mas por enquanto vai ter que ser assim.

Natássia cruzou os braços, emburrada.

Vamos lá, seja boazinha. Não foi legal ficar com o tio e a tia? Não gostou de brincar com os gatinhos?

Gostei, mas quero você!

Prometo que resolverei isso logo, está bem?

Está bem… – ela falou, ainda meio relutante.

Depois de saborearem o café, Hyoga foi para casa com Natássia. Dormir no hotel-cápsula não tinha sido o suficiente e ele se sentia muito cansado, enquanto ela estava cheia de energia. Mesmo exausto, ele resolveu dar uma volta no parque para a menina brincar um pouco, correr e se cansar. Antes de ir, ligou para Shun.

Oi. Te acordei? – Hyoga perguntou.

Não – respondeu o médico, mentindo. Olhou o relógio, passava das nove da manhã, mas ele tinha acabado de chegar de um plantão e ainda não tinha dormido nem duas horas.

Você vai trabalhar agora?

Não. Estou de folga hoje.

Estou pensando em levar Natássia ao parque. Depois almoçar em algum lugar legal. Tá afim?

Lógico! – respondeu Shun, esfregando os olhos. – Chego aí em uma hora.

Hyoga assentiu e desligou o telefone, feliz por Shun aceitar o convite. Depois ligou a TV e colocou em um canal infantil.

Vou tomar banho – ele disse a Natássia. – Depois a gente vai sair com o tio Shun. Fique quietinha aí. Já volto.

Tá bom! – ela disse, empolgada, e sentou no carpete para assistir TV.

Hyoga pretendia tomar um banho tranquilo e relaxante, coisa que ainda não tinha conseguido fazer desde a chegada de Natássia. Só conseguia tomar duchas rápidas, então deixou-se ficar sob o chuveiro, sentindo a água morna caindo sobre a cabeça. Fechou os olhos, pensando na filha. Estava convicto de que ficar com ela era a coisa certa, não passava pela sua cabeça desistir, mas precisava organizar os pensamentos a fim de organizar também sua nova rotina. Mais tarde ia entrevistar um barman novo e esperava que ele fosse bom o suficiente para substituí-lo algumas vezes. Se desse certo, seria um alívio e o resto se adaptaria aos poucos.

Então inevitavelmente pensou em Shun… em como ele sempre estava lá para ajudá-lo… Dessa vez não tinha sido diferente. Também estava disponível para ele, embora o cavaleiro raramente precisasse. Tinha se tornado tão forte, tão autossuficiente, tão admirável. Um médico! Depois de tudo que tinham passado, Shun ainda tinha encontrado coragem e determinação para estudar e se tornar um doutor. Ele era tão incrível! Se não fossem… irmãos… Teria coragem… Talvez tivesse… Queria tanto ter coragem mesmo assim… Pouca gente sabia que eram filhos do mesmo pai… Pouca gente, tão pouca… Ninguém mais precisava saber… Queria tanto que… pudessem...

Papai! – Natássia gritou assustada. Estava dentro do banheiro, olhando fixamente para Hyoga, com os olhos arregalados.

Morto de vergonha, ele procurou cobrir a nudez com as mãos. Depois pegou rapidamente a toalha e enrolou-se. Uns poucos segundos a mais e a situação seria ainda pior, já que estava pensando... nele...

Eu não disse para ficar quieta vendo TV? – ele perguntou, saindo do box e lamentando o hábito de solteiro de não trancar a porta.

É, mas me deu vontade de fazer xixi… – ela disse e apontou para o ventre dele. – Por que você tem isso e eu não tenho? Tira a mão! Deixa eu ver direito! Tem cabelo aí!

Natássia! – ele ralhou, sentindo a face queimar de vergonha. Não imaginou que essa conversa fosse acontecer tão cedo, mas respirou fundo e seguiu em frente, precisava explicar a ela. – É porque você é menina e eu sou menino. Meninos são como eu, meninas como você. Mas escute, você não pode entrar no banheiro assim quando outra pessoa estiver dentro. Não só no banheiro, em qualquer lugar. Você tem que bater à porta primeiro, chamar, e esperar que a pessoa abra ou mande você entrar. Entendeu?

Ela não respondeu. Inclinou um pouco a cabeça para o lado e piscou os olhos repetidamente.

Você entendeu, amor? Tem que bater na porta… – ele repetiu a pergunta e completou em pensamento: E eu tenho que fechar essa maldita porta… – Responde para o pai, Nat.

Eu quero um desses! – ela gritou e começou a dar pulinhos.

Hyoga bateu a palma da mão na testa e gentilmente a escoltou para fora do banheiro.

Volta para a sala, amor.

Cerca de uma hora depois, encontraram-se com Shun no parque.

Tiooooo! – Natássia gritou e correu para o médico, que a pegou nos braços e a ergueu no alto.

Você está tão linda! Quem te deu essa roupa?

Você!

Eu mesmo!

O médico a colocou no chão e arrumou a saia de pregas que ela usava.

Você não dormiu, né? – Hyoga perguntou a ele. – Tá com uma cara horrível.

Não importa. Tô acostumado. E quanto à cara, a sua também está péssima.

É, eu também não dormi.

E aí? Qual é o plano?

Deixar ela correr um pouco pelo parque, queimar energia, depois almoçar, voltar para casa e com fé em Deus ela vai dormir e eu também.

Boa sorte! – Shun deu uma gargalhada.

O que foi?

Nada... Só acho que ela não vai dar muita bola para os seus planos.

Mais tarde, depois do almoço, Shun, Hyoga e Natássia foram para a casa do russo. A menina ainda não parecia dar sinais de cansaço, pulava e corria pela casa, pegando brinquedos no quarto para mostrá-los a Shun.

– Eu avisei que ela não ia seguir seu plano – Shun disse, vendo o estado deplorável do amigo. – Vai dormir, Hyoga. Eu fico com ela até a hora de levar lá na casa do Shiryu. Só não fico o resto da noite porque eu também vou precisar dormir um pouco.

O russo estava tão cansado que nem tentou argumentar. Saiu arrastando os pés e se jogou na cama. Quando acordou horas depois, Shun já tinha preparado o jantar e arrumado a mochila de Natássia.

Vamos comer logo – Shun disse. – E aí eu vou para casa e você leva ela no Shiryu.

Hyoga assentiu, pensando que, por enquanto, Shun e Shiryu eram a solução perfeita mas isso não podia durar muito tempo e achar uma babá ia ser bem mais difícil do que ele pensava por causa do “problema” de Natássia ser uma criança "diferente"… Definitivamente ão podia ser qualquer pessoa.

Os três jantaram juntos e despediram-se, Shun seguiu para casa e Hyoga levou Natássia para a casa de Shiryu.

Hoje ela está cheia de energia, Shunrei – ele avisou quando deixou a menina.

Pode deixar comigo que eu dou conta – riu Shunrei. – Vamos ver seu gatinho?

Natássia arregalou os olhos e saiu saltitando atrás de Shunrei.

Eu vou resolver essa situação logo – Hyoga disse a Shiryu. Prometo. Eu só não quero deixar ela com qualquer pessoa porque ela é… diferente.

Relaxa, Hyoga. Não é incômodo nenhum cuidar dela. Está tudo bem. Shunrei adora crianças e agora Shoryu já é um homem, está lá em Rozan. Ela sente falta de ter uma criança em casa. Estamos tentando ter um filho biológico há vários anos, mas parece que o destino não quer colaborar.

Paciência, meu amigo. Vai vir quando for a hora.

Tudo bem, acho que estamos tranquilos quanto a isso. Virá algum dia, biológico ou outro adotivo. Shoryu e Natássia vieram de surpresa, não é? Quem sabe o destino não tem uma surpresa para nós também...

É, vieram... Ela veio quase sem querer, é birrenta, teimosa, contestadora, mas eu já a amo e não me vejo mais sem ela. Preencheu minha vida de um jeito que eu não podia imaginar… Ficaria horas falando, mas realmente tenho que ir agora. Hoje venho pegá-la às dez, tudo bem?

Tudo. Não durmo cedo. Às vezes nem durmo… Depende das dores que eu estiver sentindo.

E assim ele fez. Passou no bar, organizou tudo e delegou algumas tarefas. Quando tudo estivesse resolvido e um novo barman contratado, ele pretendia fazer assim todos os dias. Sair mais cedo, dormir em casa com ela, acordar, fazer o café para tomarem juntos.

Na hora combinada, Hyoga voltou à casa de Shiryu para pegar Natássia. A menina já estava dormindo e ele levou-a no colo até o carro e de lá para casa. Colocou-a na cama, programou o alarme no celular para sete horas e foi dormir do jeito que estava, só tirou a camisa.

Quando o alarme tocou, ele o desligou e foi caminhando para a cozinha, bocejando e esfregando os olhos, lutando para mantê-los abertos. Normalmente dormia até o meio-dia ou mais por isso acordar cedo era um martírio, mas ia acabar se acostumando... Tinha que se acostumar.

Ué... que água é essa? – ele perguntou-se ao pisar no chão molhado do corredor que dava para a cozinha. Ao entrar no cômodo viu a torneira aberta, o ralo fechado e a água escorrendo pelo piso. Primeiro pensou que tinha deixado aberto sem querer, mas lembrou que não foi à cozinha quando chegou. Então ele soube.

Natássia...

Esfregou os olhos mais uma vez, fechou a torneira e abriu o ralo para que a água acumulada descesse. Pegou um rodo e começou a empurrar a água para o ralo do piso. Depois começou a enxugar o restante.

Ele ainda enxugava tudo quando Natássia apareceu na porta da cozinha, de pijamas, agarrada com o urso polar de pelúcia que foi presente dele. Hyoga respirou fundo. Não queria brigar com a filha, mas ela precisava ser educada e entender que o fez foi errado. Ele se ajoelhou no chão molhado e dirigiu-se a ela.

Natássia, você fez isso de propósito? – ele perguntou. Ela abaixou o olhar, evitando encará-lo e não respondeu. – Natássia, estou perguntando se você fez isso por querer. Responda ao papai e não minta.

Eu acordei de madrugada e abri a torneira – ela confessou, ainda olhando para o chão. – Achei que molhando tudo você ia ficar enxugando e não ia trabalhar hoje.

Isso não foi certo. Não é assim que resolvemos as coisas. Dessa vez não vou castigá-la, mas não quero que isso se repita. Se você fizer algo assim outra vez, vou precisar colocá-la de castigo.

Castigo… – ela repetiu, com voz chorosa e olhinhos marejados. – Castigo não...

Não vou colocar agora, Natássia. É só se você fizer de novo algo assim, entendeu?

Entendi, papai.

Assim está bom – ele disse e abraçou a menina. Depois pegou um pano de chão. – Agora você vai pegar esse pano e ajudar a enxugar tudo.

Ah, não!

Ah, sim! Tudo o que a gente faz na vida tem consequências. Aprenda isso.

Não gostei de consequências.

Então da próxima vez pense bem antes de fazer travessuras. Vamos, guarde o urso e venha ajudar.

O nome dele é Oguinha.

Hyoga sorriu. Essa menina sabia como conquistar o coração dele, nem precisava fazer nada, mas dar o nome de Oguinha ao urso foi golpe baixo. Mesmo com o coração derretido de amor, ele tinha que ser firme com ela se quisesse educá-la bem.

Coloque o Oguinha para descansar no sofá e venha ajudar o papai. Depois que enxugarmos tudo, vamos tomar café, sua danadinha.

Quero comer bolo no café! – ela gritou e foi colocar o urso no sofá.

Bolo, Natássia? Não serve panqueca?

Não! Quero bolo!

Tá, vamos enxugar tudo e tomar café na padaria.

Vou levar o Oguinha com a gente, certo?

Certo, amor – ele sorriu, totalmente vencido por Natássia e Oguinha.



Continua…



Oie!

Eu rachei de rir quando o Hyoga falou que Natássia tinha inundado a cozinha. Como assim, você não desenhou essa cena, Okada? Ia ser incrível! Então, como ele não desenhou, eu quis muuuuito escrever a cena! E não resisti a mais um golpe! Primeiro a Shunrei com o golpe dos filhotinhos, agora Nat e o golpe do urso Oguinha!

Obrigada a todos que estão acompanhando!

Beijoooo

P.S.: Depois da maravilhosa aparição de Shoryu no capítulo 77 do Episódio G Assassino, adaptei a parte do capítulo onde Shiryu falava que ainda não tinha filho. *_*

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